Não é de hoje que se discute a agenda-setting, ou o agendamento dos assuntos que se transformarão em notícia e, por conseqüência, em assuntos a serem debatidos por determinada sociedade. Nos meios jornalísticos, especialmente acadêmicos, o agendamento da sociedade através da escolha e hierarquização das notícias é um fato. E um fato importante, pois revela importantes possibilidades sobre a inclusão de valores sociais e ideológicos na escolha dos fatos que virarão notícia.
É certo que o público (leitor, ouvinte, telespectador) não pensa nisso. Não poderia ser diferente. Sequer os profissionais do cotidiano jornalístico param para pensar na teoria do ofício, porquanto se dedicam à sua prática – e ela acontece dia após dia, naturalmente. Sendo assim, o elenco de notícias que são escolhidas e nas quais trabalham, sequer são analisadas por eles. Apenas cumprem o seu papel, mesmo sem saber que, embora geralmente não definam o agendamento, contribuem com ele qundo da elaboração de sua pauta.
Sousa (1999), por exemplo, ao tratar do assunto, elenca seis critérios que devem ser levados em conta quando da prática jornalística: a) ação pessoal; b) ação social; c) ação ideológica; d) ação cultural; e) ação do meio físico e tenológico e f) ação histórica. Embora não se pense nisso no cotidiano, é bastante razoável imaginar essas influências.
1) Acção pessoal – as notícias resultam parcialmente das pessoas e das suas intenções;
2) Acção social – as notícias são fruto das dinâmicas e dos constrangimentos do sistema social, particularmente do meio organizacional, em que foram construídas e fabricadas;
3) Acção ideológica – as notícias são originadas por forças de interesse que dão coesão aos grupos, seja esse interesse consciente e assumido ou não;
4) Acção cultural – as notícias são um produto do sistema cultural em que são produzidas, que condiciona quer as perspectivas que se têm do mundo quer a significação que se atribui a esse mesmo mundo (mundividência);
5) Acção do meio físico e tecnológico – as notícias dependem dos dispositivos tecnológicos que são usados no seu processo de fabrico e do meio físico em que são produzidas;
6) Acção histórica - as notícias são um produto da história, durante a qual interagiram as restantes cinco forças que enformam as notícias que temos (acções pessoal, social, ideológica, cultural e tecnológica). (SOUSA, 1999)
Por mais que o jornalista tente ser imparcial, e por mais que se venda na mídia a idéia de um jornalismo imparcial, ele não escapa das influências naturais da psique. O jornalista, como um ser humano qualquer, traz dentro de si uma bagagem composta pelas experiências vividas e delas não se desfaz no momento de definir uma pauta, escrever ou editar uma matéria. Não que o faça propositadamente. Não que o demonstre no texto, ou na abordagem de uma reportagem a ser feita. Essa bagagem formada por sua experiência de vida (o que inclui os seis aspectos ressaltados por Sousa) se manifesta na construção da matéria por mais imparcial que o jornalista tente ser (a nível pessoal) ou pareça ser (aos olhos do público).
Explicar os seis aspectos considerados como fatores de influência na construção da agenda-setting, assim como de todos os passos da construção e hierarquização da notícia, chega a ser redundante porquanto o próprio título de cada um já deixa óbvia a leitura a ser feita. Ainda assim, antes errar pelo zelo do que pela omissão. A ação pessoal refere-se ao fato de que as notícias resultam das pessoas e de suas intenções; por ação social podemos entender que elas são fruto das dinâmicas e dos constrangimentos do sistema social, especialmente do meio organizacional em que foram construídas e fabricadas; ação ideológica porque as notícias são originadas por força de interesses, coscientemente assumidos ou não, que dão coesão aos grupos sociais; ação cultural porque as notícias são produto do sistema cultural em que são produzidas; ação do meio físico ou tecnológico porque dependem dos dispositivos a serem utilizados para sua fabricação e ação histórica porque as notícias são um produto da própria história.
Diante desses argumentos, naturalmente desconstruímos a imagem de uma imprensa imparcial, do jornalismo imparcial, fato conhecido e pouco controverso, nas últimas décadas, no meio dos estudos jornalísticos acadêmicos. Constrói-se, assim, uma visão mais real do processo de construção da notícia, sua hierarquização e aprofunda-se o conhecimento para tentar responder a pergunta: porque alguns fatos são notícia e outros não?
Um fato é uma ocorrência, algo que acontece – ou ainda que deveria acontecer, mas não aconteceu (como, por exemplo, uma obra física programada). Porém o mundo das notícias ainda é feito das temáticas, geralmente sociais, levantados e levados ao debate pelos veículos de comunicação como notícia. Ao noticiá-la, os meios jornalísticos contribuem para dotar esta ocorrência ou temática de algum significado, atribuir a ela um determinado sentido, ainda que o sentido de como tal mensagem chegará ao receptor depende, também, das mediações sociais (escola, família, grupos) em que o indivíduo se integra.
Existem vários tipos de notícias, que Sousa resume citando McQuail (1991), “também podemos distinguir notícias programadas (como as notícias resultantes do serviço de agenda) de notícias não programadas (notícias sobre acontecimentos inesperados) e de notícias fora do programa (geralmente soft news que não necessitariam de difusão imediata)”. Outra assertiva importante é que “a notícia não se esgota na sua produção. Engloba também a sua circulação e o seu consumo (Alsina, 1993)”. Porém, embora isso nos faça conhecer um pouco mais o processo teórico da produção jornalística, ainda não explica a diferenciação entre um fato que vira notícia e outro que não.
Teorias como a “do espelho” (de que notícia reflete a realidade) é naturalmente abandonada em uma discussão que pretende aprofundar, minimamente que seja, os porquês da cadeia de construção da notícia. Ela é muito mais. Serve como informação, fonte de debates, munição de argumentos ideológicos. Serve como base da sociedade enquanto mantém o status quo e deve ser questionada e debatida em um momento onde nota-se a concentração pró-monopolista, oligopólica e intersetorial dos grupos de comunicações. Cada vez mais os grupos de comunicação crescem, abrangem novas mídias tecnológicas e comandam até mesmo o agendamento dos assuntos a serem discutidos pela sociedade. O agendamento, aliás, cabe menos ao jornalista e mais aos interesses da empresa, ainda que as pautas sejam definidas pelos chefes das redações – que por sua vez sabem da linha ideólogica da empresa em que atua.
Sobre esta natural colaboração jornalística à manutenção da sociedade como uma elite dominante a quer, Souza cita Soloski (1989 1993: 100), que escreveu:
“Embora os jornalistas não relatem as notícias de modo a manter o sistema político-económico existente, as suas normas profissionais acabam por produzir 'estórias' que defendem implicitamente a ordem vigente. Além disso, as normas profissionais legitimam a ordem vigente ao fazê-lo parecer um estado de coisas que ocorre naturalmente. Os princípios do profissionalismo jornalístico têm como resultado uma cobertura noticiosa que não ameaça nem a posição económica da organização jornalística (…) nem o sistema político-económico global no qual a organização jornalística opera. Além disso, o profissionalismo jornalístico produz 'estórias' que permitem que as organizações jornalísticas aumentem o seu público e mantenham um controlo firme sobre o mercado. Em última análise, o profissionalismo jornalístico distorce as notícias ao nível social.”
A sistematização das teorias da notícia e da produção da notícia em si é um campo bastante amplo. Além dos interesses da empresa, como dito acima, há uma série de fatores que influenciam o profissional do jornalismo a fazer a escolha para que a ocorrência venha a ser ou não ser notícia. E os fatores são muitos, que vão desde sua experiência de vivência pessoal, como já vimos, ao número de fatos ocorridos em um dia ou mesmo sua experiência profissional que determina uma certa rotina de atuação. Sousa, em sua perspectiva, trata disso e vai além:
Como o ser humano só processa uma pequena quantidade de informação a cada momento, os jornalistas, sob a pressão do tempo, farão um uso adaptado de rotinas cognitivas que lhes sejam familiares para organizar as informações e produzir sentido. Por outro lado, tenderão também a procurar e seleccionar informações que confirmem as suas convicções. (SOUSA, 1999).
Mais adiante, neste mesmo livro, Sousa coloca uma situação que deve servir pelo menos de alerta aos que labutam na prática jornalística:
Assim, um jornalista, constrangido pelas formas rotinizadas de avaliar as situações e a sua própria actividade, poderá tender a fabricar informação padronizada (por exemplo, a redigir notícias com base na técnica da pirâmide invertida) e a seleccionar sempre como tendo valor noticioso o mesmo tipo de acontecimentos (por alguma razão as conferências de imprensa dos políticos parece terem sempre valor noticioso aos olhos dos jornalistas enquanto, por exemplo, as dissertações de mestrado e doutoramento, por mais relevantes que sejam, não o parecem ter) sem procurar outras vias de actuação (que poderiam ser, eventualmente, mais eficazes em certas circunstâncias). Esta talvez seja até, provavelmente, uma das razões pela qual a imprensa diária está a perder leitores: fala sempre do mesmo e da mesma maneira, entediando e aborrecendo, sem atender às necessidades informativas dos leitores(...)”. SOUSA (1999).
Desta forma, o jornalista passa a ser chamado a um importante papel na sociedade, no qual está incluso a concepção ética da profissão: cada profissional pode influenciar a construção de conteúdos para a mídia. Por esta razão, inclusive, o jornalista deve ter uma bagagem cultural, social e de compreensão das ideologias que dê suporte a este importante papel. Deve ter bom conhecimento da história e dos meios de seu trabalho. E tem em suas mãos um poder que poucos possuem: o de colaborar na formação da agenda-setting, a partir de determinado momento de sua experiência profissional, ajudando a definir o que é realmente importante para o debate na sociedade. Afinal, o jornalista é o principal protagonista do jornalismo.
E a resposta quanto à pergunta sobre o que vira notícia ou não? Este mero artigo não foi feito para responder perguntas, mas para incentivar colegas de profissão e acadêmicos a se perguntarem o mesmo. Porque alguns fatos viram notícia e outros não? Penso que nas dúvidas levantadas neste artigo e nas considerações que demandou, possamos refletir conjuntamente em busca de uma resposta.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário